segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Debater? Refutar? É Tudo Vaidade…


Na última semana eu tive uma pequena discussão com Norma Braga. Segue abaixo uma das respostas que dei a ela, já em tom de “Chega!”, por saber que seria impossível ter uma discussão sadia com quem incentiva condena o livre-pensamento e considera aqueles que discordam de suas “verdades”, apenas “burros”, “hereges” e “difamadores”.
Norma,
Eu oro por todas as pessoas com quem bato de frente em teologia.
Vou começar com esta frase, pois ela explica muita coisa. Eu não estou aqui para “bater de frente” com ninguém. “Bate de frente” quem não sabe conversar, quem não sabe dialogar. “Dialética” é o oposto de “bater de frente”. Eu converso bastante sobre vários assuntos com vários amigos meus, e os papos mais proveitosos são aqueles em que deixamos nossas pressuposições de lado por um instante e conversamos, refletimos, vemos se as conclusões às quais chegamos são iguais às pressuposições que propositalmente deixamos de lado por alguns instantes. Na semana passada tive um papo MUITO proveitoso com um amigo meu de SP, também cristão, sobre a questão dos milagres. A conclusão que ambos chegamos é que atribuir explicações e causas naturais para as etapas de um milagre apenas torna o milagre mais impressionante ainda (C. S. Lewis usa o mesmo argumento em seu livro Milagres). Contudo nós jamais chegaríamos a esta conclusão se tivéssemos “batido de frente”, uma vez que começamos tratando de discordâncias. Nós deixamos nossas pressuposições de lado por algum instante e então começamos a fazer perguntas um ao outro, refletindo, dialogando… houveram pontos de discordância? Sim. A nossa conclusão entra em “conflito” com alguns pressupostos anteriores nossos? Alguns diriam que sim. Mas é neste ponto que se encontra o fio para mais conversa, mais pensamento, mais diálogo.
As questões que eu levantei a você fazem parte de minha reflexão pessoal. O problema das mortes causadas por Deus só não faz parte da reflexão de todos os cristãos porque eles são massivamente ensinados a não pensar, ou a pensar dentro do cercadinho das pressuposições do tipo “panos-quente”. Vou citar um exemplo pessoal: uma amiga minha certo dia estava “pensando alto” em casa e disse à sua mãe algo como “mãe… é estranho… Deus no AT é tão mal… tão diferente de Jesus”. Seus pensamentos foram podados logo a seguir. “Para de ficar falando isto senão você vai confundir seu pai (novo convertido)!” Na igreja o mesmo acontece, porém em proporções maiores. Existe um consenso de que quanto menos a igreja pensar, melhor é que para quem a lidera.
Se não houvesse este tipo de retaliação, o aparente problema de Deus ordenando mortes de crianças e mulheres (às vezes preservando apenas as virgens para deleite dos soldados), faria parte das reflexões de todas as pessoas que lessem a Bíblia seriamente. Se não houvessem pessoas para “bater de frente”, as perguntas que fiz não seriam escândalo para quem as lesse. Estas perguntas seriam normais e comuns.
“Bater de frente”, ainda, é o oposto do livre pensamento, é o oposto do diálogo. Convicções todos nós temos. Até mesmo os céticos absolutos têm convicções: eles têm convicção de que nenhum tipo de conhecimento pode ser apreendido. Não há erro algum em ter convicções. O ponto reside em como lidamos com as contradições existentes para nossas convicções. Existe a postura do diálogo: “Bem, eu creio em uma coisa e você em outra. Vamos conceder um ao outro a dúvida e vamos dialogar sobre as divergências existentes”. E existe também a postura unilateral “bater de frente”: “Bem, este é meu círculo, aqui estão minhas convicções, aqui está a verdade. Então, que se f*** qualquer coisa que ousar contradizer este círculo”. Por exemplo: existem duas formas de lidar com o “problema” cristão em relação aos homossexuais. Você pode permanecer no seu círculo ortodoxo inflexível e “bater de frente” contra qualquer idéia que contradiga a “verdade” já pré-estabelecida; ou você pode refletir sobre a questão tendo como ponto de partida a realidade do homossexual. Não estou falando que você deve abrir mão da ortodoxia para maquiar o Evangelho (isto seria sincretismo, e a igreja errou muito com isto), mas fazer uma concessão para começar a discussão a partir de um ponto comum entre você e seu interlocutor é algo bastante proveitoso. Na primeira forma de lidar com as contradições às nossas convicções citada acima não há diálogo, não há debate de idéias; na segunda forma, há.
Eu não quero discutir com uma pessoa que, após ser questionada, diz “Você emburreceu… você se desviou da palavra… vou orar por você”. Eu quero discutir com uma pessoa que responda aos meus questionamentos, não que “bata de frente” comigo quando questionada. Discutir com alguém que “bate de frente” é a coisa mais chata do mundo. Este tipo de pessoa só quer “refutar”, “refutar”, “refutar”… Aliás, ô palavrinha que debatedores de Orkut adoram usar! É raro você enxergar algum discordante de você que diz, “Bem, vamos refletir juntos sobre este ponto aqui em que discordamos”. Em diálogos não existe “refutação”, existem conclusões em conjunto para os pontos convergentes e respeito nos pontos de divergência. Eu já discuti algumas vezes em que no fim eu e meu interlocutor descobrirmos que o que nos separava eram pressupostos diferentes. Não houve consenso em relação à aceitação/negação dos pressupostos, então terminamos ali. Mas houve diálogo. Eu consegui entender o ponto dele e ele conseguiu entender meu ponto. Houve progresso.
Eu não consigo imaginar Jesus usando palavras como “Você emburreceu… você se desviou da palavra… vou orar por você” (a não ser com os fariseus, com os “ortodoxos”, em momentos de exaltação). O que mais vemos Jesus fazendo, até mesmo quando eram os fariseus que vinham fazer-lhe pergunta, é concessões. Philip Yancey notou que das 153 vezes que vieram a Jesus com uma pergunta, em 147 vezes Jesus respondia com mais perguntas, nos mostrando, assim, que a verdade é passível de ser descoberta por qualquer pessoa, através do simples “pensar”. (Para uma abordagem mais detalhada deste ponto, ler Autoridade ou Verdade?) Jesus não analisava o pecador à luz da lei, mas ele explicava a lei a partir do campo de conhecimento do pecador. Para certo problema ele não dizia “Olhe, a Lei diz assim, assim e assado. Logo você está refutado HAHA”. Suas respostaram eram do tipo, “Observe as flores do campo… observe os pássaros… havia um samaritano que voltando para casa que foi assaltado… quem foi o próximo deste samaritano?… havia uma vinha… um homem ia dar uma festa…”. Os argumentos de Jesus eram tangíveis, não eram monstros abstratos e incrivelmente carregados de pressupostos como “Deus pode matar bilhões e ainda continuará sendo Santo”.
Então, quem não vai continuar com esta conversar sou eu. Quero e gosto muito de dialogar, de refletir, de compartilhar pensamentos, insights – especialmente com quem eu discordo em algum ponto. Mas não tenho interesse algum em “refutar”, “bater de frente”, “medir forças”, etc. Essas coisas eu deixo para pessoas como o Luciano Ayan, Julio Severo, Augusto Nicodemos, calvinistas reacionários, seguidores do Olavo de Carvalho, católicos fundamentalistas, ateus fundamentalistas, etc. Estou tendo conversas com um amigo agnóstico sobre a historicidade dos fatos que ocorreram com Jesus e esta experiência tem sido muito interessante. Não tenho interesse em “refutá-lo”, nem de “bater de frente” com ele. Ele me pergunta por que eu acho que a crença na ressurreição é racional e eu tenho dado minhas respostas. Em contrapartida eu lhe faço perguntas também. E assim dialogamos, crescemos, aprendemos.
Quanto às orações, elas são muito bem vindas. Obrigado!

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